Então amigos, depois de um tempo sem escrever histórias das antigas, pois estava com o tempo meio limitado e o ânimo não vinha, resolvi voltar. Não que eu seja um Carlos Drumond de Andrade ou um Luis de Camões, mas para escrever tem que estar motivado. Não diria inspirado, pois afinal de contas, não estou inventando nada aqui. Apenas relatando histórias que vivi e ou presenciei e esta é mais uma daquelas de fazer dar risadas. Obviamente, quem não estava no lado ruim da brincadeira...
Este caso que relato aqui, aconteceu em 1999. Nesta altura do campeonato estava mais preocupado em concluir meus últimos créditos na faculdade do que aplicar trote. Até porque em 1999, muitas coisas já haviam mudado dentro da universidade em si, como certas instruções normativas que vieram da reitoria em São Paulo punindo severamente o trote. Tudo por culpa de uns psicopatas (ou débeis mentais) da USP que mataram um aluno da medicina afogado, durante o trote deles. Como medida preventiva, o governador do estado mandou baixar uma lei que expulsava os alunos que aplicassem trote em todos os campus das universidades estaduais paulista (USP, Unesp e Unicamp).
Puxar o fumo era um trote bem conhecido dos veteranos na minha época. Sempre fizemos ele com a bixarada pra assustar aquelas pobres almas que saiam de casa, da proteção dos pais, para encarar a vida na faculdade. Como disse antes, não estava muito interessado em trote, mas quando vi o circo armado e pensando que seria meu ultimo ano por lá, resolvi abraçar mais esta causa e me apresentei no picadeiro, só para vermos mais um bixo apavorado.
Ficamos sabendo que naquele dia, havia chegado um bixo da lista de espera no alojamento e iria morar na nossa ala. Como ele havia chegado já duas semanas após as aulas começarem, não havia passado pelos trotes que os outros calouros haviam passado, então nada mais justo que mostrar ao menino o que lhe aguardava na faculdade. Estavamos no quarto do nosso amigo PP, jogando um truco e tomando um tereré (mate com água gelada, típico do Mato Grosso do Sul) quando chegou o Cateto trazendo o bixo com ele. O bixão como esperado, estava com a musculatura totalmente travada. O medo saia pelos poros da pele junto com seu suor, mas tentamos deixar o bixo relaxado, convidando pra tomar um tereré e jogar truco conosco.
O bom e velho rock’n roll estava tocando no quarto, o truco rolando e o bixo começou a entrar no clima. Tomava o mate junto com a gente, jogava um truco... em fração de instantes o pânico inicial dele sumiu e ele se sentiu como se estivesse em casa no meio da sua família. Era a hora da brincadeira começar...
Sem mais demoras lembro que nosso amigo Bola, que estava na mesa jogando truco com a gente, fala para o Cateto:
“Ai Cateto, prepara aquela boa pra gente. Acho que o bixão vai gostar!”
Paramos a partida de truco e liberamos o espaço na mesa. O bixão ficou olhando meio ressabiado, meio que fingindo que não era com ele, quando o cateto vai até o armário que tinha dentro do quarto, pega um pouco de orégano que estava dentro de um pote de manteiga vazio e um guardanapo destes, tipo papel de seda, daqueles que se usam em boteco de quinta categoria e põe todos estes “ingredientes” em cima da mesa. Por um instante achei que os olhos do bixão iriam saltar da orbita, de tão arregalados que estavam. Lembrava o famoso MANTENA, do desenho animado da She-ra.
Enquanto o Cateto enrolava o tal baseado de orégano, o discurso começou: “Bixão, não sei se você sabe, mas aqui na faculdade é tradição os iniciantes darem um tapinha de leve no baseado, só pra quebrar o gelo e se iniciarem no mundo universitário”.
Confesso que mesmo depois de ter participado deste trote dezenas de vezes, tive que me segurar para não dar risadas enquanto olhava para a cara do sujeito. Ele veio com o mesmo discurso, que 99% dos bixos em todos os anos anteriores fizeram, enquanto as lágrimas já quasem escorriam dos seus olhos:
“Pô velho, minha religião não permite!”
Era impressionante! As vezes achava que havia um “manual das desculpas do bixo” que era vendido em alguma livraria, porque TODOS ou pelo menos a grande maioria dos bixos nos anos anteriores quando participavam deste trote, davam a mesma desculpa! O interessante é que se pedissemos para os infelizes rezarem pelo menos um “Pai-nosso”, creio que os mesmos não saberiam nem por onde começar! Lamentável...
Nesta hora, a turma toda olha pro bixão e começa com o discurso: “Pô bixão, deixa de ser careta! Ta na hora de você virar homem”. Nesta hora, o menino já não escondia mais o pânico. Pedia pelo amor de Deus, ajoelhava no chão, implorava misericórdia e quando menos esperava, chegou o Pica-Pau com um cigarro amarrado em um barbante, abriu a porta do quarto, entregou na mão do bixo e gritando com ele disse:
“Vai bixo! Sai correndo e puxa o fumo bixão, vai, vai, vai!!!!”
Me recordo que quando o pessoal abriu a porta do quarto para o bixão sair “puxando o fumo”, haviam uma dezena de outros veteranos fora do quarto esperando a cena. O problema é que o bixo saiu correndo e sumiu do alojamento! Nesta hora, me lembro que eu e os mais velhos ali da turma, sugerimos aos veteranos mais novos que fossem atrás do bixo pra evitar que acontecesse alguma merda. Me recordo que o Pica Pau, o Frozô e o Cateto sairam correndo atrás do bixo e voltaram uma meia hora depois contando a história do que havia acontecido.
Eles nos disseram que o guarda do alojamento havia lhes informado que viu o bixo correndo na direção da rodoviária, que ficava exatamente atrás do alojamento. Eles correram então até a rodoviária e quando chegaram lá, encontraram o cidadão no guiché de uma compania querendo comprar uma passagem de ônibus. Ao encontrarem o bixo, dois deles, se não me engano o Frozô e o Cateto, foram acalmar o rapaz e explicar que aquilo tudo era apenas um trote, enquanto o Pica-pau foi falar com o vendedor de passagens. O rapaz que vendia as passagens disse ao Pica-pau que nunca havia visto alguém tão assustado quanto aquele menino e contou que ele chegou pedindo uma passagem pra não importa qual lugar fosse, desde que fosse no primeiro ônibus que estivesse saindo da cidade!
Ainda bem que conseguimos antever que algo não ia dar certo. Se aquele rapaz, que não me recordo seu apelido, tivesse entrado dentro do ônibus e sumido, cabeças iriam rolar dentro daquela faculdade. Depois do pânico inicial, os caras trouxeram o bixão de volta ao alojamento e continuamos tomando nosso tereré e jogando nosso truco em sua companhia.